Tuesday, July 31, 2012

O fim | The end


(image by Kenia Cris)

Minha mãe esperou anos 
para ver as enchentes
abrirem ruas 
e o céu arder em fogo. 
Encheu as prateleiras da garagem 
com creme de cogumelos
ervilhas em lata
e cebolas fritas -
munição suficiente para fazer 
cassarola para sempre. 
No compartimento de armas
ela mantinha cópias de todos os
seus albums do John Lennon
à espera da noite longa. 

Meu pai não se preocupava 
nem com o aguaceiro nem com o fogo.
Tomava sua cerveja regularmente 
assistia o futebol religiosamente
praguejava ocasionalmente 
e fazia planos simples 
para o futuro improvável:
consertar a calha
trocar a lanterna traseira da pick-up
cortar a grama. 

À mesa na hora do jantar, ninguém falava
das coisas que sabíamos acontecer em algum lugar.
A carniça que vinha com o vento quente 
e batia nas janelas fechadas insistente. 
A escuridão ao meio-dia que só aumentava. 
A poeira que subia e  
pintava o quintal de amarelo infinito. 

Aprendemos silêncio e resiliência
fazendo as coisas de casa.
Aprendemos as linhas 
em nossas mãos e rostos
elas revelaram as estradas 
que percorremos
na alegria e na tristeza. 
Eu me lembro, sorrimos. 
O minuto passado  
e o minuto à frente,
num piscar de olhos
ambos se foram  -
o que nesse mundo
nos é permitido abraçar
além dos  próprios joelhos?


Momma spent years waiting for the floods
which would split the roads open
and the fiery sky that would burn.
She lined the garage shelves
with cream of mushroom soup
canned green beans
and fried onions
enough munitions to make
green bean casserole forever.
In the gun safe, she kept duplicates
of all her John Lennon albums,
for when that final day turned to night.

Dad couldn’t care less about
the floods or the fire.
He  had a beer regularly
watched soccer religiously
cursed occasionally
and made plans for the unlikely future:
to mend the rain gutter
to replace the Toyota’s blown tail light
to mown the lawn.

At the dinner table, no one spoke
of the things we knew were happening:
the foulness of the hot wind which clawed
and banged at the shuttered windows without end,
the dimness of noon which grew only dimmer,
and the smoke that rose from the ground,
tarring the backyard an endless yellow.

We learned silence and resilience
performing our chores.
We learned the lines in our palms
and on one another's faces
they revealed roads we walked
in good times and in bad.
I remember, we smiled.
The minute past,
the minute ahead,
in the blink of eyes
They are gone -
what in the world
is ours to keep?


(Nota: Esse poema foi escrito à quatro mãos! As outras duas pertencem à querida Isadora Gruye, que escreve o blog The Nice Cage. O poema encerra as comemorações do primeiro aniversário do grupo de poetas  Imaginary Garden With Real Toads. O tema que escolhemos foi 'Ame O Seu Fim Do Mundo', um olhar positivo sobre o dia do Juízo Final. As cópias impressas foram afixadas em lugares onde as pessoas não esperassem encontrar poesia aqui na minha cidade e na cidade dela no estado americano de Minnesota. 

Note: This is a collaborative poem written by Isadora Gruye (The Nice Cage) and myself to close the celebrations of the first anniversary of the Imaginary Garden With Real Toads poetry community. The theme we picked was  'Love Your Doomsday', a positive look into the the end of the world. Printed copies of the poem have been left in places where people wouldn't expect to find poetry my city and hers, which is in Minnesota.)

Sunday, July 29, 2012

#551

(image by Alaisyn)

Foi em algum lugar
entre o primeiro raio de sol
invadindo o quarto
e a escovação 
numa manhã do último inverno.

Qualquer um facilmente
se sente incomodado.
O gosto de sódio,
a temperatura da água,
o desconforto matinal.

Ninguém pode fazer 
coisa alguma sobre a
estranha solidão
durante a escovação.

As coisas que você
diz ao espelho
nesses momentos.


It was somewhere
between the first sunray 
breaking into the bedroom
and brushing teeth
one morning last winter.

Anyone can easily get
uncomfortable. 
The taste of sodium, 
the water temperature,
slightly twinge the stomach.

No one can stop
brushing teeth
from being 
awkwardly
lonely.

The things you
tell the mirror then.

Friday, July 20, 2012

#550

(image by Debora)


Dos dias no calendário
onde se multiplicam as incertezas

distante a vida delicada
e as memórias que inventamos.

Devo ter entendido errado
a analogia entre a noite e os planetas:

o céu tão escuro,
meus olhos cansados.


These days in the calendar
when uncertainties spread

the delicate life and 
the memories we invented seem so far.

I must have gotten it all wrong,
the analogy between the night and the planets:

the sky so dark,
my eyes so tired.

Friday, July 6, 2012

#549


(image by Agnieszka Kryspin)

Nós não somos nada
como as histórias
que eu ouvi
ou as comédias românticas
no cinema.


Mas quando você vem
e sorri desse jeito
que espalha flores 
sobre a Terra,
eu entendo
do que elas falam.


We're nothing
like the fairy tales
I've heard or
the romantic
movies
I've watched.

Still,
when you're standing
 in front of me and
you smile that way
which causes flowers
to bloom,
I understand
what they are all about.