Saturday, October 26, 2013

#621

(image by Marina)

Adormeço 
cansada dos dias,
de acreditar;

de ver estender-se 
à minha volta 
um abismo de tempo.

Quando estávamos juntos
o tempo nunca houve.
Enquanto explorava as minhas gavetas,

enquanto descobria os 
espaços silenciosos da nossa varanda,
enquanto você dormia,

eu me perdi nas tuas horas.


I fall asleep
too tired for another day,
too tired to believe;

to continue watching
as an abyss of time
extends in every direction
around me.

When we were together
time was non-existent.

While you were exploring my drawers
or discovering silent spots in our yard,
while you were sleeping

I lost myself  in your hours.

Wednesday, October 23, 2013

#619

(image by Adrian)

Não se ocupe
dos espaços vazios
ou da maneira como coisas e pessoas 

se movem suspensas
de um lado para o outro
na ausência de amor.

O mundo fica tão vasto
que parece não mais ser possível 
carregá-lo nos olhos.

O ar fica tão pesado que é 
mais fácil permanecer imóvel
e aproveitar o silêncio.

Eis aqui um segredo:
Um dia você acorda e 
essas impressões terão caído por terra

e você caminhará entre elas
sem memória alguma 
de como começaram,
de como terminaram.


Do not bother with the empty spaces
and the way things and people move
to and fro in suspension
in the absence of love.

The world grows so vast
one can no longer carry it in the eyes,


The air grows so heavy
one would rather sit still 
and use some silence,

(Here's a secret:
one morning you'll wake up,
and these impressions will have fallen to the ground
meaningless
and you'll move through them with
no memory of their ending or beginning.)

Tuesday, October 22, 2013

#618

(image by Raluca Csernatoni)


I.

Estou trabalhando no meu carma,
fiz uma tatuagem no verão passado
- precisava de um mantra -
diz 'deixe ir'.
Ainda assim, 
não sou o Buda.


II.

Essa noite chove muito,
perco a Quadrântida.
Quantos desejos
são desejos demais 
para alguém que só tem
nuvens?


III.

Se eu sair desse lugar
algum dia,
vou seguir o meu caminho
sabendo que você vive dentro
de uma dessas janelas 
iluminadas no meio da noite.
Como descobrir a janela certa?


IV.

Sinto imensamente a tua falta.


I.

Been working on my karma,
got a tattoo last summer
- I needed a mantra -
it says 'let go';
still, I am no Buddha.


II.

Tonight is pouring down,
I'm losing the Quadrantids.
How many wishes are
too many wishes for someone
who only has clouds?


III.

If I ever leave this place
I'll walk my ways
knowing you're inside
one of the windows I'll cross.
How can I guess the right one?


IV.

I miss you so bad.


Sunday, October 20, 2013

#617

(image by Ivan Murdzhev)

Queria dizer que
você não mais precisa
me empurrar.

Já está longe o suficiente
para ainda ter medo das minhas mãos
ou das minhas palavras,

ou de sentir algo.


I wanted to tell you
You no longer have to
push me away.

you're far enough never again
to fear my hands,
or my words,

or feeling anything.

Friday, October 18, 2013

#616

(image by Kalapcs Emoke)

Meus olhos perdem o Norte.
O coração aponta para o Sudoeste.

Onde você sobe e desce morros
de bicicleta 
procurando a sombra das árvores
que são tuas, 
perdido em pensamento, 
solfejando uma música
que talvez eu conheça.

Começo a medir saudade 
em quilômetros,
a pensar a vida em rios,
a estudar mapas para descobrir 
quantas cidades nos separam,
quantas estradas ainda nos unem.


My eyes lose North.
This heart now points to Southwest.

Where you go up and down hills
on a bike
searching for the shade of your own trees
lost in thought while
humming a song I might know.

I start to measure loneliness
in kilometers
to think of our lives as the lives of rivers,
to study maps to discover
how many cities there are between us,
how many roads can bring us together.

Saturday, October 12, 2013

#615


O que quer que eu ame,
o destino rouba de mim

- além de cuidado,
proximidade
e esse coração.

Minhas memórias, 
reduzidas a frases mínimas,
eu as repito 

para fingir que tive um passado,
para fingir que tenho fé no futuro. 

Quando não há pelo que esperar,
vou para a cama chorando
e acordo líquida.

Atravessa-me
como um rio
a mudança.


Whatever I love,
destiny steals from me

- and care, closeness,
and this heart.

My memories, reduced to
minimalistic sentences,

I repeat them to myself
to pretend I had a past,

to pretend I have some faith
in the future.

When I have nothing to wait for,
I go to bed crying and wake up
fluid.

It flows through me
like a river,
change.

Tuesday, October 8, 2013

#614

(image by Julia)

Como é que elas simplesmente
deixam tudo para trás,  
as nuvens?

Eu, que tanto aprecio 
o toque impessoal do chão
sob os meus pés descalços,
eu que tenho medo de altura,
eu que não tenho asas:

A mão gentil do amor
me aproxima do céu
para me ensinar sobre queda.


How can they simply leave everything behind,
the clouds?

I who cherish the impersonal touch of the
ground underneath my bare feet,
I who am afraid of heights,
I who have no wings:

love's gentle hand
carries me to heaven
to teach me about falling.

Saturday, October 5, 2013

#613

(image by Dorottya Sárai)

Gosto de pensar
que haverá algum tipo de amor para mim
no fim do mundo

antes de tudo ficar tão quieto
e escuro 
e não ser mais capaz de ver
a tua mão na minha ou
ouvir o meu coração no teu.

Há um momento entre perder 
alguém no caminho 
e descobrir que as perdas se repetem
em que me pergunto por que escrevo.

Porque escrevo o teu nome no ar,
ele é levado pelo vento.
Não importa o meu lugar no universo,
continuo aqui sozinha.

Porque quando for preciso 
deixar para trás o mundo que criamos,
se decidir ficar com alguma lembrança minha,
espero que seja isso.


I want to believe
there is some sort of
love for me
in the end of the world

before everything goes
so dark and silent that I can't
see my hand in yours or
hear your heart in mine.

There is a moment between
losing someone for the path
and discovering that losses loop,
I wonder why I write.

Because I write your name in the air,
the winds carries it away.
No matter where I stand in the universe,
I'm alone.

Because when time comes
to leave the world we invented behind,
if there is anything about me you decide
not to erase, I wish it's this.


Tuesday, October 1, 2013

#611

(image by Débora)

Preciso esquecer o teu cheiro
porque dois é demais para 
carregar numa caixa.

Dois é muita gente para procurar
no meio de uma multidão.

Percam o teu toque, as minhas coisas,
porque quando você for embora,
nunca mais terão as tuas mãos.

Dois é demais para me lembrar se tiver Alzheimer.
Dois é muita gente para colocar em poemas.



I must forget your smell
because two is a lot of people to carry in a box.
Two is a lot of people to search in the crowd.

They must lose your touch,
my things.
for when you walk out the door,
they will never again have your hands.

two is a lot to remember in case I have Alzheimer's.
Two is a lot of people to write in poems.