"Por quê? Bem... eu não sei, não. Tem sempre que haver um motivo? Está bem. Acho que eu estava entediada. Isso mesmo: entediada. Veja bem, acordei cedo como de costume e arrumei a casa cantarolando minhas músicas. É, você pode cantar à vontade quando já criou todos os filhos e mora sozinha numa casa grande e cheia de espaços vazios. Eu estava lavando umas folhas de alface quando senti uma falta de ar, uma coisa estranha. Eu pensei 'meu Deus, não vou conseguir fazer isso, não vou conseguir terminar essa salada'. Então eu peguei uma faca na gaveta e fui até o quarto. Eu fiquei sentada lá na cama ouvindo uns passarinhos, o cachorro da vizinha latindo, os carros passando na rua, o silêncio da casa. A lâmina cortou a pele com tanta facilidade que eu fiquei pensando 'a gente não vale nada mesmo, olha só.' Quando eu vi o sangue, virei a cabeça pro outro lado. Fiquei lá, sentada. Não me lembro de mais nada. Acordei aqui nessa cama de hospital com minha filha mais nova me olhando bem de perto. Proximidade. Não sei qual foi a última vez em que estivemos tão perto uma da outra. Os outros entraram em seguida. E parecíamos uma família novamente."
(Publicado anteriormente em Diários de Filosofia)
aí estou amando aqui, pois vejo um novo lado e é maravilhoso um lado poético sem medidas um lado que a muito deseja vê
ReplyDeletete dollu
A gente não vale nada, mas no fim vale.
ReplyDeleteTricky business this thing called life, ain't it?